Saúde

Cirurgia plástica logo após o parto preocupa especialistas: “Não é estética, é saúde”

Influência de redes sociais leva mulheres a anteciparem procedimentos complexos no puerpério, desrespeitando a fisiologia e colocando em risco sua própria recuperação

Fotos de abdômens chapados, mamas empinadas e legendas como “corpo de volta em 2 meses” se tornaram comuns no Instagram. Celebridades e influenciadoras mostram resultados impressionantes de cirurgias plásticas realizadas pouco tempo após o parto, criando uma estética quase obrigatória para quem acaba de dar à luz. Mas especialistas alertam: esse padrão de “recuperação rápida” pode custar caro à saúde física e emocional da mulher.

Segundo a cirurgiã plástica Dra. Pamela Massuia, com mais de 3 mil procedimentos realizados, há um crescimento preocupante de pacientes que procuram cirurgias logo após o parto, especialmente por influência de redes sociais. “A paciente chega no consultório dizendo: ‘vi que fulana fez lipo e colocou prótese dois meses depois do parto, também quero’. Mas muitas vezes ela está anêmica, dorme mal, está amamentando e seu corpo ainda está num processo fisiológico intenso. Operar nesse momento é extremamente arriscado”, afirma.

 O corpo ainda está em transformação

De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o útero leva em média seis semanas para voltar ao tamanho original após o parto. Já a regulação hormonal, especialmente em mulheres que amamentam, pode levar meses para se estabilizar. Além disso, o nível de ferro no sangue, reservas de cálcio e vitamina D costumam estar abaixo do ideal, o que prejudica a cicatrização.

“A mulher não é uma máquina que volta ao ‘corpo de antes’ em dois meses. Há todo um processo de readaptação interna: órgãos que mudaram de lugar, musculatura abdominal distendida, flacidez, sono desregulado. Fazer cirurgia nesse cenário pode levar a complicações como abertura de pontos, infecções, trombose e até depressão no pós-operatório”, explica a médica.

 CFM e sociedades médicas se manifestam

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou recentemente uma nota técnica desaconselhando cirurgias plásticas durante o puerpério precoce — que compreende os primeiros 42 dias após o parto. O documento alerta que a decisão por uma cirurgia deve ser feita com base em exames clínicos e estabilidade física e emocional, e não por influência externa.

Além disso, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) reforça que procedimentos como abdominoplastia, lipoaspiração, ninfoplastia e prótese mamária só devem ser realizados após avaliação minuciosa e em condições ideais de saúde, o que geralmente acontece após o 6º mês pós-parto.

 Dados preocupantes

Uma pesquisa da revista Pediatrics com mais de 4.500 mães nos EUA apontou que 27% delas relataram sentir pressão intensa para “recuperar o corpo” nos primeiros 3 meses após o nascimento. No Brasil, um levantamento informal realizado em 2023 por um grupo de cirurgiões plásticos de São Paulo mostrou que houve um aumento de 40% nas solicitações de procedimentos no pós-parto imediato — especialmente entre pacientes que seguem influenciadoras digitais.

 Casos reais preocupam

Pamela já atendeu mulheres que chegaram a agendar cirurgia com 60 dias de pós-parto. Em um dos casos, a paciente tinha acabado de interromper a amamentação e ainda enfrentava quadros de insônia e oscilação de humor. “Ela dizia estar bem porque já tinha perdido o peso da gravidez. Mas nos exames, apareceu anemia e inflamação em tecidos profundos. O corpo dela gritava que não estava pronto.”

Em outro caso, uma paciente que operou com outro médico teve necrose de pele por má cicatrização, causada por carência nutricional e esforço precoce com o bebê no colo. “Não é só estética. É vida real. Mãe carrega, levanta, amamenta. Isso exige energia e pausa. A cirurgia tem que entrar como algo que fortalece, não como mais uma cobrança”, reforça a médica.

 Quando é o momento certo?

Não há uma fórmula exata. Segundo a Dra. Pamela, a recomendação geral é aguardar entre 6 e 12 meses após o parto, com base em fatores como:

  • Tipo de parto (normal ou cesárea)
  • Presença ou não de amamentação
  • Peso corporal e composição corporal
  • Saúde emocional e disponibilidade de apoio no pós-operatório
  • Exames clínicos completos

“Eu sempre oriento que a paciente esteja com exames em dia, bem emocionalmente, e que tenha suporte real para o pós. Ela não pode sair da cirurgia e voltar a dar banho no recém-nascido. Isso não é realista”, afirma.

 O que fazer enquanto espera?

Para quem ainda não pode operar, mas deseja cuidar da autoestima, a médica recomenda:

  • Tratamentos minimamente invasivos, como bioestimuladores de colágeno, ultrassom microfocado e limpeza de pele
  • Atividade física leve com liberação médica
  • Terapia e autocuidado emocional
  • E, principalmente, uma mudança no olhar sobre o próprio corpo

“Seu corpo acabou de gerar um ser humano. Ele merece ser olhado com respeito, não com pressa”, conclui.