Saúde

Ansiedade é uma “epidemia silenciosa” nos escritórios

Mesmo com campanhas de prevenção e exigências legais, ambientes corporativos seguem silenciosos frente aos sinais de sofrimento psíquico. Lideranças empáticas podem ser a chave para salvar vidas.

Setembro Amarelo volta a iluminar uma realidade que persiste dentro das empresas brasileiras: falar sobre sofrimento psíquico no ambiente de trabalho ainda é um tabu. O Brasil ocupa o posto de país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 9,3% da população convive com a ansiedade clínica, enquanto a depressão já atinge 5,8% dos brasileiros. O impacto direto recai sobre o mercado de trabalho: em 2023, mais de 220 mil trabalhadores foram afastados por transtornos mentais e comportamentais, de acordo com dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho da OIT e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

Mesmo com números alarmantes, muitas organizações ainda estimulam uma cultura de silêncio. Sinais de estresse, exaustão e ansiedade são frequentemente ignorados ou até confundidos com engajamento. “Na maioria das vezes, os pedidos de ajuda não vêm em forma de palavras, mas de queda de energia, dificuldade de concentração, excesso de horas trabalhadas. Se a liderança não desenvolve empatia e presença, esses sinais passam despercebidos. E quando o sofrimento é silenciado, o risco é que se transforme em crise”, afirma o mentor de líderes, Flávio Lettieri.

A situação se agrava porque o trabalho ocupa cada vez mais espaço na vida das pessoas. A Pesquisa Nacional de Saúde Mental no Trabalho, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com a UFMG, mostrou que 30% dos trabalhadores brasileiros relataram sintomas frequentes de ansiedade no último ano. Entre os jovens, de 18 a 29 anos, o índice sobe para 40%. “Estamos diante de uma geração inteira que naturalizou a ideia de trabalhar sob pressão constante, como se viver exausto fosse sinal de sucesso. Esse modelo não é sustentável e cobra um preço alto”, analisa Lettieri.

Papel do líder

A liderança, nesse contexto, exerce papel decisivo. Pesquisas da consultoria Gallup indicam que 70% do clima de uma equipe é diretamente influenciado pela forma de liderar. Isso significa que chefias mais empáticas, que cultivam a escuta e validam sentimentos, têm impacto direto na redução de afastamentos e no aumento da produtividade saudável. “Empresas que criam espaços de escuta emocional não apenas cumprem a legislação, mas também protegem seu maior ativo: as pessoas. Mais do que prevenir afastamentos ou passivos trabalhistas, trata-se de salvar vidas”, reforça o mentor.

NR-1

Além do aspecto humano, há a dimensão legal. A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1),  que foi recentemente  revisada pelo Ministério do Trabalho, estabelece que todas as organizações implementem medidas de prevenção de riscos ocupacionais — e isso inclui os chamados riscos psicossociais. Na prática, companhias que ignoram a saúde mental do trabalhador poderão enfrentar multas, processos e perda de talentos. Lettieri destaca que “o cumprimento da lei precisa ser entendido como o mínimo. O passo seguinte é criar uma cultura organizacional que não apenas reaja a crises, mas previna o sofrimento antes que ele aconteça”.

Diversos instrumentos já estão disponíveis para apoiar empresas na prevenção de riscos psicossociais. Entre eles, destacam-se protocolos reconhecidos internacionalmente, como o HSE Management Standards Indicator Tool (voltado ao estresse ocupacional) e o COPSOQ – Copenhagen Psychosocial Questionnaire (que avalia demandas de trabalho, apoio da liderança, reconhecimento e justiça organizacional).

Segundo Lettieri, incorporar metodologias como essas aos programas internos de saúde ocupacional é uma forma simples e acessível de monitorar o ambiente de trabalho e orientar intervenções práticas. “O objetivo não é diagnosticar indivíduos, mas transformar informações organizacionais em mudanças de liderança e cultura, construindo um ambiente mais saudável e produtivo para todos”, explica.

Desafio atual

O grande desafio, no entanto, é cultural. O silêncio ainda impera. Muitos trabalhadores temem que admitir fragilidade seja interpretado como falta de competência. Para Lettieri, essa mentalidade precisa ser urgentemente desconstruída. “Falar sobre emoções no trabalho não é fraqueza, é maturidade. Quando líderes reconhecem seus próprios limites e validam os sentimentos da equipe, criam um espaço seguro que encoraja a pedir ajuda. Esse é o verdadeiro antídoto contra o sofrimento silencioso.”

Mais do que campanhas como o setembro amarelo, é preciso que a saúde mental seja incorporada como política corporativa perene. A escuta ativa, a empatia e o cuidado devem ser práticas diárias, não discursos sazonais. “Quando um colaborador pode dizer ‘não estou bem’ sem medo de julgamento, a empresa demonstra que valoriza pessoas de verdade — e isso fortalece não apenas a saúde individual, mas também a sustentabilidade do negócio”, conclui Lettieri.