Agnes Farkasvölgyi: a inquietude como legado
Aos 62 anos, Agnes Farkasvölgyi desafia qualquer cronômetro da carreira gastronômica. Prova disso é o sucesso do Minéra, restaurante oficial da última CASACOR Minas, criado em tempo recorde — dois meses — e recebido como um dos grandes destaques da mostra. O projeto foi um exercício de liberdade: uma cozinha mineira sem folclore, sem concessões fáceis, em que técnica e repertório se cruzam com intuição e desejo. O resultado surpreendeu pela ousadia e pela precisão. “Parto da herança para criar algo absolutamente novo”, define a chef.
O Minéra reafirma uma marca que acompanha Agnes desde sempre: a capacidade de reinventar a própria trajetória e de manter-se à frente do tempo. Em mais de três décadas de trabalho, ela nunca se acomodou ao papel de banqueteira nem às fórmulas previsíveis da alta gastronomia. Do Bouquet Garni, um dos buffets mais emblemáticos de Belo Horizonte, à Casa da Agnes, bistrô e galeria que divide com a filha Camilla, e ao Chafariz, em Ouro Preto, onde é chef executiva, Agnes segue ampliando seu território criativo e testando novas linguagens para a cozinha. “Enquanto chef, uso a cozinha e seu entorno como ferramentas para contar uma história construída sobre um tripé de memória, curiosidade e diversão”, costuma dizer.
Mesmo com a experiência de quem já criou cardápios memoráveis e inspirou gerações, Agnes nunca recebeu o título de melhor chef nas principais premiações gastronômicas da cidade — uma ausência que revela não a falta de reconhecimento, mas a persistência de um sistema que primeiro a confrontou pelo sexismo e agora pelo etarismo. “Apesar do tempo, não parei — e meu negócio não envelheceu”, afirma. Sua inquietude é a prova de que a maturidade pode ser, também, um estado de invenção.
Formada em Física pela UFMG e com especialização no Le Cordon Bleu de Paris, Agnes chegou à gastronomia pela curiosidade — e pela arte. Pintora, desenhista e performer, ela enxerga o prato como extensão da tela. Ao longo da carreira, criou eventos de Eat Art, em que mistura performance e cozinha, e mantém uma ativa agenda de aulas e cursos de gastronomia, sempre voltados à experimentação e ao prazer do fazer. “Acredito que cozinha pode ser arte, desde que quem a faz assim queira. Quanto mais misturamos tecnologia com histórias e conhecimento, mais estamos aptos a criar enredos com os pratos”, diz.
A força de Agnes está justamente nessa intersecção entre técnica, sensibilidade e risco. Aos 62, ela ocupa um lugar raro — o de quem continua a provocar o próprio ofício. Entre o estigma da idade e a expectativa do público, segue fiel ao seu modo de criar: intuitivo, experimental e radicalmente pessoal. Em um mercado que tende a premiar o efêmero, Agnes Farkasvölgyi segue sendo o movimento.

